Sunday, September 14, 2008

- Que olhar é meu nos teus olhos?

Nisto, chega o Verão ao fim, por entre dias brilhantes demais para serem contados… Há coisas que são só nossas.
Viajar, ser viajante faz parte de mim. Descobrir, explorar, enriquecer-me dos lugares, das pessoas, das coisas grandes e pequenas, dos mistérios e dos segredos das avenidas, das árvores, das luzes…
Por estes dias, li Venenos de Deus Remédios do Diabo de Mia Couto. Sempre gostei de Mia Couto, encanta-me o seu modo de escrita. Este seu romance fala-nos de um jovem médico português que parte para Vila Cacimba em busca de Deolinda, sua amada. Nesta procura, descobre os silêncios e as esquinas desta estranha e peculiar terrinha moçambicana.
Trago um excerto para partilhar.

“ Deolinda franziu o sobrolho. Empurrou o português de encontro à parede, colando-se a ele. Sidónio não mais regressaria desse abraço.
- Que olhar é meu nos olhos teus?
Nessa noite se solveram, mãos de oleiro, salvando o outro de ter peso. Nessa noite o corpo de um foi lençol do outro. E ambos foram pássaros porque o tempo deles foi antes de haver terra. E quando ela gritou de prazer o mundo ficou cego: um moinho de braços se desfez ao vento. E mais nenhum destino havia.
- Amar – disse ele – é estar sempre chegando.
Um ano depois, sentado sobre um banco de pedra, o português sente estar ainda chegando as Vila Cacimba enquanto convoca as memórias do encontro com a mulata Deolinda. O que faltava, agora, para que ele se sentisse já chegado?
Lembrou os versos que ele próprio rabiscara na ausência de Deolinda: «Eu sou o viajante do deserto que, no regresso, diz: viajei apenas para procurar as minhas próprias pegadas. Sim, eu sou aquele que viaja apenas para se cobrir de saudades. Eis o deserto, e nele me sonho; eis o oásis, e nele não sei viver.» ”

Inspirem-se no luar, no som de uma guitarra, no olhar de um amigo, nas ondas que rebentam na praia... inspirem-se!

Até já.

NYC aug 08